quarta-feira, 27 de abril de 2011

Entenda como a relação de seus pais pode influenciar sua vida afetiva


Este relato mostra como acontecimentos de origem familiar influenciam nossa forma de pensar, agir e sentir e criam padrões de comportamento completamente distorcidos frente à realidade que nos cerca. Enfim, passamos a ter uma percepção errônea frente à vida e às pessoas.

Ana Luísa é uma mulher com pouco menos de 30 anos. Ela vem de uma família onde o relacionamento dos pais é bastante dependente, principalmente do pai em relação à mãe. Em função disso há muita intensidade, ciúme e agressividade.

No início de sua adolescência, recebeu uma notícia que foi o estopim de outros acontecimentos. Sua mãe havia traído seu pai e contado para ele. Diante disso, muitas brigas se sucederam entre eles, com ela estando presente em diversas delas. Ouviu diversas vezes seu pai dizer que sua mãe não prestava, entre outras coisas do gênero. No entanto, seu pai não saiu de casa, nem se separou de sua mãe e as brigas e ofensas se mantiveram por longos anos. Seu pai foi generalizando sua visão de que as mulheres não prestavam, sendo ela também atingida por isso, uma vez que ele começou a se referir a ela dessa maneira também. Quando ela saia com suas amigas para as “baladas” tão típicas de adolescentes, seu pai sugeria que ela estava indo “vagabundear”. Quando ela comentava sobre algum garoto ele logo tratava de questionar se ela já havia transado com ele.

Diante desse cenário, Luísa foi desenvolvendo seu autoconceito (autoimagem) de maneira distorcida, de modo a acreditar que não prestava, que era promíscua e que diante disso nunca conseguiria se manter em um relacionamento saudável e duradouro com uma boa pessoa, já que era “defeituosa”.

Passou a se ver como um “pedaço de carne” e acreditava que esse era seu único atrativo. Saia com roupas curtas e provocantes, pois para ela esse era o único modo de ser valorizada por alguém do sexo oposto (resignação à sua crença). Passou a conhecer garotos e relacionar-se com eles com base nessa sua crença sobre si mesma e como resultado tinha relacionamentos fugazes, de muita intensidade e voltados para a área física. Desse modo passou a sentir-se cada vez mais triste, pois não encontrava ninguém que realmente gostasse dela e a respeitasse e sua crença de que seu único valor era seu corpo e sua beleza era cada vez mais reforçado (profecia autorrealizável).

Ana foi crescendo e todos seus relacionamentos eram regados a muita paixão, atração sexual, ciúmes, joguinhos e brigas. Em parte deles a traição estava presente e ela começava a formar a ideia de que era assim que as coisas aconteciam na vida dela: que seus relacionamentos nunca davam certo e que ela não tinha boa índole (era defeituosa).

Um pouco mais velha, passou a se relacionar de maneira um pouco mais distante e fria; acreditava que “nunca poderia se entregar, já que nunca um relacionamento seu daria certo”. Passou a terminar todos seus casos, mesmo antes de saber do interesse da outra parte, evitando criar intimidade e adiantando-se a qualquer atitude de rejeição que poderia vir por parte do outro. Ela o rejeitava, mas no íntimo sentia-se rejeitada, somente fazia isso por acreditar que a qualquer momento o companheiro o faria.

Na tentativa de vivenciar um relacionamento um pouco mais saudável, pois havia percebido um padrão negativo, começou a se envolver com um rapaz que no início a tratava bem, dizia que queria ajudá-la a melhorar e ser uma pessoa melhor. Esse provinha de uma família ainda mais crítica do que a de Luísa e com altos padrões de comportamento e muita cobrança.

Ela contou ao namorado diversas situações pelas quais havia passado e que lhe trouxeram muito sofrimento e logo se viu em um relacionamento rodeado de ciúme, em que foi impedida de ter contato com outros homens, diante da justificativa de que ela não sabia se portar frente a eles e de diversas acusações às atitudes e comportamentos que tinha.

Ana por gostar muito do atual namorado manteve-se nesse relacionamento por mais de três anos entre términos e retomadas, onde passou a acreditar cada vez mais que que ela não era uma boa pessoa, não era confiável, que o relacionamento ia mal por sua causa e que não se esforçava por ser melhor [manutenção de seus esquemas (padrões de comportamento) e crenças desaptativas]. Após ter entrado em depressão, emagrecido diversos quilos e quase um ano nesse quadro de tumulto, ela finalmente conseguiu se afastar desse relacionamento disfuncional.

Ela conheceu a TCC e hoje adulta consegue enxergar muito do seu passado com outros olhos. Compreende que houve situações que ocorreram independentemente de sua vontade, como por exemplo: traição entre seus pais, momentos de raiva de seu pai em que ele dizia que ela não prestava assim como sua mãe. 

No entanto, passou a perceber que alguns eventos eram construídos e/ou procurados por ela de maneira a provar algumas crenças (profecia autorrealizável) e também perpetuar alguns esquemas - padrões de comportamento. Alguns exemplos disso foram: envolver-se com homens ciumentos, esses diziam que ela não sabia portar-se (crença: “Tenho má índole”) ou ter comportamentos que afastavam os homens (crença: “Não sou capaz de estar e manter um relacionamento saudável, pois sou defeituosa” por isso rejeito antes que seja rejeitada).

Atualmente faz terapia e está mais consciente de suas cognições (pensamentos automáticos, crenças e esquemas), assim como de suas atitudes e comportamentos. A crença de não ser gostável (achar que nunca seria amada), os *esquemas de defectividade/vergonha, abandono/instabilidade e privação emocional são bastante conscientes para ela, assim como ela percebe que lhe é muito mais fácil voltar a comportar-se dentro de um padrão disfuncional (até porque este já é conhecido e já foi treinado e reforçado durante muito tempo), do que sair dele; no entanto por estar mais alerta a essas situações, pode, quando deseja, fazer com que as coisas ocorram de outra maneira, nova.

Atualmente está em um relacionamento estável e sério há pouco menos de um ano, com um jovem que realmente a ama, a compreende e busca apontar-lhe seus acertos e pontos positivos, ao invés de apontar seus déficts. Conversam muito de maneira honesta. Ana tem a chance de ter feedbacks do namorado sobre o que ele pensa e sente; assim ela pode comparar essas informações com os pensamentos automáticos que surgem. Em momentos de maior vulnerabilidade, ainda deprecia-se, mas está mais ciente disso e o namorado aponta para ela suas distorções em relação à percepção dos fatos.

Eles têm o desejo de casar-se e cada vez mais Ana Luísa está tem a chance de colher evidências contra suas crenças: “Tenho má índole”;“Não consigo manter uma relacionamento saudável”;“Sou só um pedaço de carne”;“Não é possível alguém realmente me amar da maneira que sou”, etc...).

Com sua disposição para mudar sua forma de pensar, sentir e agir Ana adimite que não é fácil se libertar de padrões de comportamentos arraigados, mas consegue a cada dia enxergar isso como algo cada vez mais possível.


Atualmente está em um relacionamento estável e sério há pouco menos de um ano, com um jovem que realmente a ama, a compreende e busca apontar-lhe seus acertos e pontos positivos, ao invés de apontar seus déficts. Conversam muito de maneira honesta. Ana tem a chance de ter feedbacks do namorado sobre o que ele pensa e sente; assim ela pode comparar essas informações com os pensamentos automáticos que surgem. Em momentos de maior vulnerabilidade, ainda deprecia-se, mas está mais ciente disso e o namorado aponta para ela suas distorções em relação à percepção dos fatos.

Eles têm o desejo de casar-se e cada vez mais Ana Luísa está tem a chance de colher evidências contra suas crenças: “Tenho má índole”;“Não consigo manter uma relacionamento saudável”;“Sou só um pedaço de carne”;“Não é possível alguém realmente me amar da maneira que sou”, etc...).

Com sua disposição para mudar sua forma de pensar, sentir e agir Ana admite que não é fácil se libertar de padrões de comportamentos arraigados, mas consegue a cada dia enxergar isso como algo cada vez mais possível.



* esquemas de defectividade: padrão de comportamento de achar que está em débito 

Obs: o nome da personagem deste texto é fictício, mas os fatos são reais. 


domingo, 10 de abril de 2011

Estresse é um dos principais causadores de síndrome do pânico


Transtorno de pânico ou também conhecido como síndrome do pânico ou simplesmente pânico é uma doença que afeta globalmente a vida da pessoa que a desenvolveu. Ela é um tipo de transtorno de ansiedade, caracterizado por ataques de pânico (por isso o nome), as quais podem ocorrer a qualquer momento, independente de onde a pessoas esteja (no mercado, dirigindo, na rua, em casa, etc...) e duram alguns minutos (que para pessoa parecem eternos). Os sintomas mais característicos durante as crises são:
  • Palpitações (o coração dispara);
  • Dores no tórax e tensão muscular;
  • Sensação de asfixia (dificuldade de respirar);
  • Tontura, atordoamento, náusea;
  • Calafrios ou ondas de calor, sudorese;
  • Sensação de "estar sonhando" ou distorções de percepção da realidade;
  • Terror - sensação de que algo inimaginavelmente horrível está prestes a acontecer e de que se está impotente para evitar tal acontecimento;
  • Medo de morrer, de perder o autocontrole ou de ficar louco.
No transtorno do pânico há um desequilíbrio nos neurotransmissores noradrenalina e serotonina, o que deixa a pessoa com seu sistema de “alerta” (responsável por fazer com que o indivíduo reaja frente a uma ameaça) funcionando de uma maneira anormal. Nesse caso, esse sistema é acionado sem que haja nenhum perigo real, no entanto não é o que a pessoa com pânico percebe e sente. Esta fica portanto, muito mais atenta às suas reações fisiológicas já que acredita que identificando-as logo no início pode controlar seu mal estar, evitando que ele ocorra. O que decorre disso é que as variações normais do funcionamento corporal (as quais geram sensações físicas) que antes não eram notadas passam a ser, e então percebidos como novas. São assim interpretadas como se havendo algo de anormal no corpo. Sendo assim, quando a pessoa percebe qualquer variação em seu corpo, interpreta-a como se estivesse tendo um infarto ou que esteja passando mal (ou algo similar), esse pensamento faz como que a pessoa sinta medo e/ou ansiedade e diante disso suas reações fisiológicas ficam mais intensas (taquicardia, respiração acelerada, sudorese, etc...) confirmando seu pensamento de que há algo de errado. Há nesse caso uma distorção no processamento das informações (dos estímulos), uma vez que eles são percebidos (interpretados) com um viés negativo.

Como em muitos casos as pessoas com pânico adotam comportamentos de fuga e esquiva buscando evitar sentirem-se mal ou ainda cessar com o mal estar, ela não tem a possibilidade de desconfirmarem a crença de que algo de ruim irá acontecer se elas não agiram assim, como por exemplo sentar quando estão tontas, sair correndo do mercado quando estão em meio a uma crise ou ainda ir ao médico. O pensamento que essas pessoas têm nessas situações é: “se eu não tivesse feito isso, o pior teria acontecido” e com isso prendem-se a esses comportamentos de segurança (visando baixar a ansiedade e se proteger) mas, no entanto acabam “escravos” deles. Caso se permitissem não adotá-los veriam que sua ansiedade subiria, no entanto ela estabilizaria após alguns minutos e depois cessaria.

Resumindo o que instala e mantém o transtorno do pânico são os seguintes elementos:
  • Estado de alerta aumentado (maximizando a percepção das sensações físicas);
  • Interpretações catastróficas das sensações físicas,
  • Comportamentos de segurança.

Pânico e estresse
O estresse é um dos principais causadores do transtorno de pânico, sendo responsável pela grande maioria das crises. As drogas (tanto lícitas quanto ilícitas) representam outro fator de risco. Há estudos que averiguaram que há maior freqüência em algumas famílias, sugerindo também a predisposição genética como uma das causas.

Caso clínico
Para ilustrar descreverei brevemente um caso clínico, com alteração do nome e alguns outros dados para preservar a privacidade do paciente.

Geraldo é um jovem executivo que chega ao meu consultório com queixa de transtorno do pânico. Ele havia sido diagnosticado por seu atual psiquiatra, com o qual estava em tratamento há pouco mais de um ano. Conta-me logo em nossa primeira conversa que nunca havia feito psicoterapia, no entanto buscou a TCC por ter ouvido falar que era bastante eficaz para casos como os seus. Diz também que há alguns meses o psiquiatra havia começado a diminuir a dosagem da medicação, pois ele havia apresentado melhora (estabilidade), no entanto logo teve que subir a dosagem rapidamente uma vez que apresentou uma forte recaída.

Conta que ficou muito assustado e não gostaria de passar por aquilo novamente, no entanto também não queria tomar medicação para o restante de sua vida.

Buscando compreender o contexto de vida do paciente descubro que: ele mudou de emprego e logo foi promovido, aumentando em nível considerável suas responsabilidades e carga de trabalho, além de ter agendado a data de seu casamento com sua namorada de anos. Esses dois fatos ocorreram um pouco antes de ele ter seu primeiro ataque de pânico.

Cabe aqui uma importante consideração a respeito do estresse. Não são somente acontecimentos e situações ruins que desencadeiam o estresse; muitos eventos positivos como viagem, mudança de residência ou localidade, mudança de emprego ou promoção, casamento, etc... são grandes causadores de estresse em grande maioria das pessoas. Tudo depende de como o(s) envolvido(s) percebe a situação e, assim, como reage a ela.

Neste caso, Geraldo estava bastante eufórico com todos os acontecimentos, de tal maneira que já percebia como eles estavam alterando em grande escala a organização de sua vida atual.

Dessa maneira, o trabalho terapêutico com Geraldo iniciou-se com, primeiramente, educá-lo sobre o modelo da TCC e em seguida fazê-lo compreender e perceber que suas reações (fisiológicas, emocionais e comportamentais) provinham em decorrência de como ele percebia (interpretava) o momento. Foi-lhe explicado que provavelmente, seu primeiro ataque de pânico ocorreu diante de alguma alteração fisiológica (ex. aceleração do coração) que ele percebeu como um fator de risco. Outras situações como essa ocorreram e começaram a tornar-se mais freqüentes e então ele começou a sentir-se cada vez pior e mais e mais assustado. Dessa maneira, o quadro de pânico estava instalado.

Após a compreensão cognitiva do modelo cognitivo-comportamental do transtorno do pânico (explicação de como ele ocorre), foi-lhe ensinada uma respiração que ajuda quando as crises de ansiedade se iniciam. Esta influencia diretamente nosso sistema parassimpático de maneira a induzir relaxamento (o contrário de quando respiramos de maneira curta e rápida, o que geralmente se dá com a respiração torácica). A respiração diafragmática é lenta e profunda, ocorrendo com a movimentação da barriga, ao invés do peito.

Com a respiração diafragmática praticada e aprendida, passou-se a colocar o foco na interpretação que ele fazia das situações e sensações (estar atento aos pensamentos automáticos) e a buscar explicações alternativas aos possíveis fenômenos físicos que eram percebidos. Exemplo: quando sua respiração acelerava poderia ser em função de:

· Estar tendo um ataque cardíaco (pensamento automático negativo ou PAN)
Ou
· Ter acelerado o passo;
· Ter feito mais força;
· Estar ansioso;
· Estar eufórico (muito alegre);
· Ter se assustado com algo.

Munido dessa técnica, foram propostos alguns experimentos comportamentais, em ordem de dificuldade, frente a uma lista que foi feita conjuntamente (paciente e terapeuta). Um exemplo desses experimentos comportamentais foi ele voltar a frequentar a academia que havia parado por medo de passar mal. Quis uma atividade aquático, pois estava acima do peso e temia machucar-se caso fizesse algum esporte de solo ou retorna-se à musculação. Escolheu a hidroginástica, pois a achava menos puxada que a natação. Sua tarefa foi freqüentar as aulas, aumentando cada vez mais o nível de permanência nelas e o ritmo do exercício. Para isso, precisou focar sua atenção nos PANs, pensar em possíveis alternativas para as sensações que tinha e confrontar esses pensamentos. Quando iniciou essa prática, ficou muito assustado uma vez que assim que entrou na água e começou a se mexer, sentiu seu coração acelerando e logo percebeu que pensou “Estou tendo um ataque cardíaco!” Lembrou-se então do trabalho psicoterapêutico e propôs outras explicações para esse evento e em pouco tempo sua ansiedade baixou, de maneira que, mesmo não sumindo por completo, fez-se possível de ser suportada.

Na TCC, esse tipo de experimento enquadra-se no que é chamado de exposição, ou técnicas de exposição. Refere-se a expor o paciente paulatinamente a situações que ele teme de maneira que ele sofre o fenômeno da habituação (acostumar-se com algo ou, na linguagem da TCC diminuição automática e não intencional da intensidade da resposta frente a um estímulo). Esta técnica é muito utilizada em casos de fobias.

Outro ponto que compôs o processo terapêutico desse paciente foi auxiliá-lo a reorganizar sua vida e seu tempo. Para isso trabalhou-se com gerenciamento de tempo, o que requereu do paciente que ele monitorasse as atividades que atualmente desenvolvia através de uma planilha semanal. Além disso, foi investigado tudo o que estava pendente por algum motivo. Exemplos: dívidas, emagrecer, estudar, etc...

Com base nisso seus horários foram organizados de modo que ele tivesse a possibilidade de fazer o que precisava, mas também o que gostava, uma vez que diversos itens de lazer e da vida pessoal e social estavam sendo deixados de lado. Foram também traçadas metas (com datas para início e término) e feito um planejamento de quais os passos para atingi-las. Todas essas ações, possibilitaram que ele se reorganizasse, fosse capaz de planejar como fazer para realizar seus objetivos e diante disso sentisse-se mais no controle de sua vida (e, portanto menos preocupado com ela).

Em aproximadamente 4 meses, o quadro de pânico foi totalmente revertido, tendo o paciente já durante o processo diminuído a dosagem do medicamento e preparando-se para retirá-lo totalmente, agora sem o medo de fazê-lo e também de recaídas.