Por Maikon de Sousa Michels
Confesso que fiquei um tanto quanto receoso quando ouvi falar pela primeira vez da Terapia Focada na Compaixão, um modelo que faz parte da “Terceira Onda” dentro das Terapias Cognitivas. Bastou a leitura de um único capítulo, no entanto, para que o preconceito fosse embora e em seu lugar surgisse a vontade de continuar estudando.
Terapia Focada na Compaixão é um modelo que integra vários conceitos oriundos da Psicologia Evolucionista e, ao invés de mostrar ao paciente a disfuncionalidade do seu pensamento, busca ajudá-lo a compreender onde e de que maneira o indivíduo se fixou em formas inúteis, ainda que compreensivas, de tentar aumentar o seu sentimento de segurança perante as ameaças.
Sinceramente, o que mais me chamou atenção foram os conceitos oriundos da Psicologia Evolucionista, atualmente umas das abordagens psicológicas que mais fazem sentido, pelo menos no meu entendimento. Entre esses conceitos, os sistemas de regulação do afeto são bem interessantes, fáceis de usar como psicoeducação e ajudam a explicar a origem de vários problemas psicológicos.
O primeiro sistema de regulação do afeto é o sistema de defesa-ameaça, onde a mensagem subjacente é “Proteja-se”. É um sistema compartilhado por todas as espécies animais e que serve para nos proteger de um perigo real ou imaginado.
O sistema de defesa-ameaça detecta diferentes tipos de ameaças rapidamente e logo em seguida processa a informação e escolhe uma reação emocional (raiva, medo, ansiedade, nojo/aversão) e uma resposta comportamental adequada (imobilização, luta, fuga, submissão).
É um sistema essencial, pois é ele que nos faz detectar perigos e garantir nossa sobrevivência. Por outro lado, quando uma pessoa funciona nesse sistema a maior parte do tempo, pode se tornar hipervigilante e pouco disponível para outros tipos de atividades, o que pode estar na gênese de problemas psicológicos. Diversos tipos de patologia estão associados a uma ativação excessiva do sistema defesa-ameaça, como comportamentos de evitação, comportamento agressivo e antissocial ou transtornos de ansiedade.
O segundo sistema é chamado Procura de recursos e de recompensas (drive) é foi concebido para propiciar uma sensação de bem-estar, para criar sentimentos positivos que orientem, motivem e encorajem para a procura de recursos e recompensas vantajosas. Comida, sexo, relações de amizade, status e reconhecimento são importantes para que o indivíduo sinta alegria, vitalidade e prazer.
Atividades prazerosas são essenciais para a sobrevivência; ativam mecanismos cerebrais de recompensa, promovendo flexibilidade e satisfação de necessidades biológicas (comida, sexo, reprodução) e relações compensadoras. Quando esse sistema está ativado, todos os aspectos da mente ficam focados nos objetivos até que se consiga alcançá-los.
Mantendo esse sistema equilibrado com os outros, obtemos claras vantagens em direção a importantes objetivos de vida. No entanto, desequilíbrio ou disfunção nesse sistema pode estar por trás de transtornos de humor (mania no transtorno bipolar), uso de substâncias ou busca por esportes radicais muito perigosos.
Além disso, se um indivíduo falha em alcançar um objetivo ou está tentando constantemente impressionar os outros, isso poderá levar à ativação simultânea do sistema de defesa-ameaça. Quando esses dois sistemas estão ativados ao mesmo tempo, isto leva à ansiedade, à frustração e até a raiva, fazendo com que indivíduos se envolvam mais facilmente em comportamentos agressivos.
Por fim, temos o sistema de afiliação, de calor e afeto. Esse sistema está associado à vinculação e tem como função tranqüilizar e acalmar o indivíduo, quando este não está focado em ameaças ou na procura de recursos. É diferente do entusiasmo ou da ausência de ameaça, pois, quando esse sistema se encontra ativado, o indivíduo se sente bem, seguro e ligado aos outros.
Além disso, enquanto nos sistemas anteriores os relacionamentos interpessoais são secundários à proteção e à aquisição de bens e recursos, o sistema de afiliação, calor e afeto implica a experiência de estar seguro, tranqüilo, no momento presente. Relações interpessoais calorosas, baseadas na partilha e no afeto, são centrais para o desenvolvimento e maturação desse sistema.
Desde o seu nascimento, o ser humano necessita de cuidados parentais, sendo o estabelecimento de vínculos sociais um requisito essencial para a sobrevivência. A procura de calor e afeto e a proximidade com uma figura de vinculação segura constitui uma estratégia inata para a regulação do afeto.
Uma criança que tem uma vinculação segura, que foi tranqüilizada e amada, pode facilmente evocar essas memórias emocionais em situações de stress, o que vai ajudá-la, ao longo da vida, a regular o afeto através de um mecanismo de autotranquilização.
Por outro lado, uma criança com vinculação insegura, mais facilmente desenvolve um sistema defesa-ameaça hipersensível e hiperreativo e um sistema de afiliação subdesenvolvido. Estão mais propensas a psicopatologias e tem maior tendência a perceber o outro como fonte de ameaça (possibilidade do outro me controlar, magoar ou rejeitar) e facilmente se tornam muito focadas no alcance de status, estando, portanto, menos propensas a desenvolverem comportamentos de prestação de cuidados com o self e com os outros.
Particularmente, acredito que esses sistemas de regulação do afeto estão amplamente relacionados, de forma congruente, no sentido epistemológico, com a Terapia do Esquema, outra abordagem da chamada Terceira Onda das TCCs. Os três sistemas ajudam a explicar, pelo menos em parte, a origem de vários esquemas iniciais desadaptativos, como esquema de Abandono, Desconfiança/Abuso, Vulnerabilidade ao Dano/Doença, Busca de Aprovação/Reconhecimento e Arrogo/Grandiosidade, só para citar alguns.
O objetivo último da Terapia Focada na Compaixão é o de equilibrar a atuação dos sistemas de regulação do afeto, promovendo a ativação do sistema de afiliação, de calor e afeto. Ao estimular esse sistema, procura-se desenvolver competências de autotranquilização, de autocompaixão e de ligação/prestação de cuidados aos outros, diminuindo assim sentimentos como vergonha e autocriticismo.
Frente à complexidade do ser humano, novas abordagens psicoterápicas são sempre bem vindas para nos ajudar a entender e aliviar o sofrimento dos pacientes, desde que com bases científicas e epistemologicamente congruentes com as terapias cognitivas tradicionais.
Fonte: A maioria das informações desse manuscrito foram literalmente transcritas do capítulo “Terapia Focada na Compaixão” (Rijo, Motta, Silva, Brazão, Paulo e Gilbert) do livro “Estratégias psicoterápicas e a terceira onda em terapia cognitiva”. Wilson Vieira Melo (organizador) Artmed, 2014.
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