terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A ansiedade do dia-a-dia


Quantas vezes nos sentimos ansiosos, com uma sensação desagradável de mal-estar, como se estivéssemos esperando que alguma catástrofe pudesse acontecer a qualquer momento? É um sentimento de medo, não se sabe bem do que, nem se sabe o que se deve fazer, embora se tenha uma idéia do que nos deixa assim.

Muitas vezes nos sentimos ansiosos diante de um exame na escola, um vestibular, uma ida ao médico, ou perante uma possível reação do chefe no trabalho, ou ainda por causa de nossa situação financeira.

A ansiedade é um sentimento difuso de medo, diante de algo que não sabemos exatamente o que é, e para o qual também não temos uma resposta precisa.

Quando temos medo de alguma coisa, fugimos dela. Se eu tenho medo de cachorro, fujo deles, ou evito confrontar-me com eles. Já a ansiedade pode nos deixar parados, sem saber o que fazer. Altos níveis de ansiedade freqüentes podem nos deixar estressados. Assim, a ansiedade, o medo e o stress estão relacionados entre si.

S. Epstein define a ansiedade como um estado desagradável de excitação difusa que se segue à percepção de uma ameaça. De acordo com este autor, a ansiedade é provocada por três condições básicas: a superestimulação (excitação demasiada provocada por estímulos quaisquer), a incongruência cognitiva (isto é, as coisas não fazem sentido, não “fecham”), e a não-disponibilidade de respostas (ou seja, a pessoa não sabe o que fazer).

O medo e a ansiedade se distinguem pelo tipo de respostas que geram. O medo é uma situação em que o alto nível de excitação leva à fuga, enquanto a ansiedade é um estado de “medo não resolvido”. A indecisão, o conflito e as pressões externas geram reações de ansiedade. A expectativa de que algo ruim pode acontecer também caracteriza a ansiedade.

Freud considerava a ansiedade diferente dos outros estados afetivos desagradáveis como a raiva, a tristeza, o desgosto, por causa de uma combinação única de experiências e de reações fisiológicas. As experiências são de apreensão, tensão ou pavor. As reações fisiológicas podem ser tremores, palpitações do coração, suor, inquietude, distúrbios de respiração. Freud se referia a isso tudo como “nervosismo”.

Algumas pessoas nascem com uma tendência do sistema nervoso para serem mais ansiosas na maioria das situações ameaçadoras. Spielberger, outro especialista em ansiedade, chama isso de traço de ansiedade. Ele se baseou na distinção criada por um psicólogo mais antigo, Cattell, entre traço e estado. Os indivíduos que têm um alto traço de ansiedade costumam ficar em um estado de ansiedade mais exacerbado em situações ameaçadoras, especialmente em situações em que a pessoa se sente avaliada quanto a suas capacidades (trabalho, escola).

O traço de ansiedade está relacionado com o estado de ansiedade, mas enquanto o traço é mais estável, mais crônico, o estado é momentâneo. Assim, mesmo uma pessoa que tem um traço baixo de ansiedade pode ficar em um estado de alta ansiedade, se a situação for muito séria para ela, por exemplo, diante de um incêndio, de um acidente envolvendo familiares, perspectiva de perder o emprego e muitas outras situações. Da mesma forma, uma pessoa com alto traço de ansiedade pode se manter calma diante de uma situação difícil.

Embora o traço de ansiedade seja mais estável e constante do que o estado de ansiedade, ele também pode ser modificado. Mesmo que você tenha uma tendência a ficar ansioso(a) na maior parte das situações, tentar manter o estado de ansiedade sob controle acaba diminuindo o seu traço de ansiedade também, porque esses dois aspectos são correlacionados, embora distintos.

Como quase tudo no ser humano, as crianças desenvolvem ansiedade, em parte porque sua constituição genética pode predispô-las a isso, e em parte porque o ambiente em que foram criadas facilitou essa aprendizagem de ansiedade.

Não podemos fazer nada quanto às causas genéticas da ansiedade, isso nos é dado no momento da concepção, e as ciências biológicas não sabem (ainda) como alterar isso.

Todos temos um pouco de ansiedade, até porque isso nos é dado filogeneticamente, isto é, nossos antepassados primatas e os primeiros homens necessitavam ter algum medo e ansiedade, o que lhes permitiu sobreviver aos perigos do ambiente primitivo em que viviam, podendo ser atacados por outros animais e correndo toda espécie de riscos.

Não seria bom uma pessoa não ter ansiedade, pois ela ficaria tão tranqüila que não tomaria medidas para se defender dos perigos. Fisiologicamente, a ansiedade e o medo aumentam a produção de determinados hormônios e substâncias, como a adrenalina, que nos fazem fugir ou lutar contra situações adversas.

A aquisição ou aprendizagem da ansiedade ocorre no ambiente em que a pessoa se desenvolve. Pais ansiosos, sem querer, transmitem sua ansiedade aos filhos, por meio de processos como a identificação ou a imitação, isto é, os filhos freqüentemente se tornam parecidos com os pais ou pessoas com quem convivem, quanto a suas reações emocionais. Uma criança percebe a ansiedade em que sua mãe fica quando ela cai e se machuca, ou tem febre, e pode assim desenvolver uma ansiedade generalizada com relação à sua saúde e integridade física.

Ou uma criança percebe se seus pais apertam sua mão com mais força ou se retraem ao cruzar com um cachorro na rua, e com isso a criança também pode ficar com medo de cachorros e outros animais. Embora seja difícil esconder a ansiedade, e fingir não seja uma boa atitude, seria desejável que os pais conseguissem se controlar e demonstrar de forma mais discreta sua ansiedade, para evitar transmiti-la aos filhos.

Parece que um pouco de ansiedade é desejável, mesmo em situações de aprendizagem. Um pouco de ansiedade com relação a notas escolares, à aprovação da professora e dos pais motiva a criança a estudar, além de estimular seu interesse por aprender. Mas, veja bem, estamos falando de só um pouquinho de ansiedade. A ansiedade demasiada, porém, é muito prejudicial em qualquer situação, seja de aprendizagem, seja uma situação social ou uma catástrofe em que a pessoa tem melhores resultados se mantiver a calma relativa, apropriada à gravidade da situação. O que estamos dizendo é que um grau médio, moderado, de ansiedade é o melhor, pois imagine uma pessoa que, ao ser avisada de que o edifício em que mora pode ruir a qualquer momento, fica tão tranqüila que não providencia sair dali com sua família e, se possível, retirar seus pertences. Por outro lado, uma pessoa que fique tão ansiosa que não consiga fazer nada a respeito também provavelmente se dará mal. Na escola, um pouquinho de ansiedade leva a criança a estudar, porém a ausência total de ansiedade pode deixá-la apática e desinteressada.

Da mesma forma, ansiedade muito elevada conduz à falta de concentração, distrações, a criança não presta atenção no que o professor fala e comete “enganos” nas tarefas. O próprio desempenho da pessoa num teste de inteligência ou no vestibular pode ser prejudicado por excesso de ansiedade.

Quais são as coisas que podem nos deixar ansiosos no dia-a-dia?

Desde que acordamos a cada dia, a ansiedade pode ir-se acumulando: toca o despertador, pula-se da cama, muitas vezes já ansiosos com o horário e com todas as coisas que temos de fazer em casa antes de sair para a escola e para o trabalho.

“Será que chegarei a tempo? Será que vou me sair bem na escola hoje? E no trabalho, será que o/a chefe vai aprovar a maneira como fiz determinado relatório, determinada tarefa? Será que meu filho vai ficar bem na escola, ou vai chorar e não vai querer ficar no jardim-de-infância?” Depois, vem o eterno problema do trânsito, engarrafamentos, e às vezes até uma pequena batida, a discussão com o outro motorista, “será que o seguro vai pagar o prejuízo?” Sai do trabalho, “ah!, hoje tenho dentista, será que vai doer? Vou chegar tarde em casa, será que meu esposo(a) ou meus pais vão ficar chateados com isso?” De noite, um bilhete da professora, “meu filho não está indo bem na escola, será que não vai-se alfabetizar? O que será da carreira dele, do futuro dele?”

O que podemos fazer para controlar tantas fontes de ansiedade?

A psicologia tem desenvolvido várias técnicas que podem ajudar as pessoas a lidar melhor com suas ansiedades. Algumas requerem um tratamento demorado e buscam causas inconscientes e traumas antigos que explicariam essas ansiedades.

Essas técnicas são a psicanálise e os diversos enfoques denominados psicodinâmicos. Outras são mais práticas, rápidas e lidam com os problemas concretos do dia-a-dia. Estas, cujas origens remontam aos trabalhos de psicólogos como Aron Beck e B. F. Skinner, são conhecidas como terapias cognitivas e comportamentais. Veja alguns princípios dessas técnicas, que você mesmo pode utilizar para lidar com sua ansiedade e melhorar sua qualidade de vida.

Como dissemos anteriormente, muitas ansiedades são adquiridas por imitação ou identificação. Da mesma forma, você pode diminuir a ansiedade espelhando- se em modelos de pessoas que não apresentam ansiedade em situações semelhantes. Assim, uma criança que tem medo de nadar poderá diminuir sua ansiedade se tem a oportunidade de ver outras crianças ou adultos que não demonstram essa ansiedade na piscina. Ou, ainda, uma criança com medo de animais poderá diminuir essa ansiedade ao ver outras crianças que tocam e brincam com cachorrinhos, coelhinhos e outros animais pequenos. Um adulto também poderá diminuir sua ansiedade de falar em público vendo outros colegas de universidade apresentarem trabalhos oralmente na sala de aula. Você pode pensar consigo mesmo: “se ele está fazendo isso, eu também posso.”

Outras técnicas apelam para reações fisiológicas. Respirar fundo é uma técnica que alivia muito a ansiedade. Há tipos de comportamentos que são incompatíveis uns com os outros, isto é, você não pode estar com os músculos relaxados e ao mesmo tempo sentir-se ansioso; assim, todas as técnicas de relaxamento físico são boas para diminuir a ansiedade de uma pessoa. Os exercícios físicos, como caminhadas, natação e outros também ajudam a relaxar. Procure afastar os pensamentos negativos que o preocupam, forçando-se a pensar em outras coisas, quando estiver ansioso e preocupado com alguma coisa sobre a qual você não tem controle e ainda não pode resolver ou ter uma resposta.

Tentar dominar situações que nos causam ansiedade, gradualmente, passo a passo, também é uma boa técnica. Se fico muito ansioso(a) por falar em público, posso experimentar dizer alguma coisa para um grupo de meia dúzia de amigos, depois numa reunião com um número um pouco maior de colegas, até chegar ao ponto de poder fazer uma palestra com microfone em auditório para um grupo bem maior. Não devemos, é claro, viver nos atirando em situaçõesque nos causam grande ansiedade, apenas para nos testar. Correr riscos o tempo todo não é necessário nem saudável, porém não devemos cair no outro extremo, de evitar ou fugir de todas as situações que nos deixam ansiosos.

Enfrentar certas situações criadoras de ansiedade, principalmente quando são necessárias, é importante, não só porque são necessárias, como apresentar-se periodicamente para revisões médicas ginecológicas, cardiológicas ou odontológicas, mas também porque ao enfrentá-las sentimos um certo sabor de vitória, de que fomos capazes de enfrentar a situação que nos assustava e superá-la. Sair do consultório de um dentista é quase sempre reforçador ou gratificante, ou porque saímos confiantes de que está tudo bem, ou porque o tratamento elimina a dor que sentíamos. Da mesma forma, se a pessoa tem medo de uma situação social, como falar em público, ou mesmo de ir a uma festa e não conseguir se enturmar, se ela nunca tentar isso nunca perderá a ansiedade de fazer esse tipo de coisa. Mas se conseguir se esforçar um pouquinho e ir a uma festa, poderá ter a oportunidade de ver que não foi tão difícil ser aceita e divertir-se. Assim, o comportamento de ir à festa ficará reforçado e da próxima vez que for convidada ela não ficará mais tão ansiosa. Isso ocorre em várias outras situações, como o medo de viajar de avião ou de falar em público, de ir ao médico ou de realizar qualquer tarefa.

Nós somos seres inteligentes, que raciocinamos. É importante pararmos para pensar: “Por que estou tão ansioso nesta situação? O que poderá acontecer se tal coisa não der certo? Será que é mesmo o fim do mundo se eu não passar nessa prova? Ou se eu me atrasar hoje para o trabalho? Não haverá coisas muito piores do que isso?” No interessante livro Não faça tempestade em copo d’água, o autor Richard Carlson mostra como muitas vezes nos afobamos por coisas que não são realmente sérias. Ficamos aborrecidos com pequenas críticas, ou porque perdemos algum objeto, ou porque a empregada não limpou bem a casa.

Ele aconselha a não fazermos tempestades em copos d’água e lembra que quase tudo na vida são copos d’água. Uma coisa interessante para a qual esse autor chama a atenção é que muitas de nossas ansiedades tem origem em coisas que ainda não aconteceram, e que talvez nem aconteçam, mas que nos desgastam tanto. Ele diz: “já experimentei muitas tragédias na vida; felizmente pouquíssimas delas realmente aconteceram.” Por isso, os ditados “não ponha a carroça na frente dos bois” ou “não atravesse as pontes antes de chegar a elas” representam lembretes que podem nos poupar de muitas ansiedades.

Há muitas coisas que podemos fazer na organização de nossas atividades para ajudar a diminuir a ansiedade. Por exemplo, se começo o dia ansioso(a) por causa do receio de me atrasar, é melhor programar o despertador para despertar quinze minutos mais cedo. “Quinze minutos de sono a menos não vão me deixar tão fatigado assim durante o dia. Poderei assim organizar melhor as coisas de manhã, antes de sair de casa e evitar a ansiedade de pensar que vou perder o ônibus que me permite chegar no trabalho a tempo, ou que vou me atrasar devido a um engarrafamento de trânsito.” Em um engarrafamento, procure ouvir música no rádio e relaxar, já que você não poderá mesmo passar por cima dos outros carros, e buzinar, irritar-se ou brigar com os outros motoristas não vai resolver o seu problema. Procure organizar seus estudos ou seu trabalho de maneira a não deixar tudo para a última hora. Muitas vezes passamos vários dias adiando a execução de uma tarefa, preocupando-nos com ela, e nos afobamos quando falta pouco tempo para o prazo de entrega. Procure “atacar” esse tipo de atividade logo, para poder relaxar depois; deixá-la pendente tirará até o prazer dos momentos em que você não estará se dedicando a ela, pois não conseguirá se descontrair e se divertir porque estará preocupado com isso. Por exemplo, você tem um trabalho escolar ou uma tarefa a ser entregue na segunda-feira, que considera difícil ou desagradável e quer primeiro curtir o fim de semana. Você nem consegue se sentir totalmente descontraído nas diversões de sábado e domingo porque lá no fundo há aquela preocupação. E então na noite de domingo vem a ansiedade ou até a depressão, e a afobação pelo pouco tempo que resta. Não teria sido melhor ter trabalhado nesse compromisso talvez no sábado à tarde, para ter o restante do fim de semana realmente descansado e prazeroso?

Também não podemos ser ingênuos e pensar que não há situações na vida que são realmente graves. Mas se conseguirmos passar por elas com menos ansiedade, poderemos encaminhá-las de forma mais adequada, mesmo sendo situações de doença, perdas sérias e até mesmo a morte. Se você viu o filme Patch Adams— o amor é contagioso, uma biografia baseada em fatos reais, deve lembrar que um médico afetuoso e com excelente senso de humor conseguiu fazer um paciente terminal agressivo e mal-humorado enfrentar a morte e despedir-se da família com aceitação e tranqüilidade, apesar de todo o sofrimento envolvido. Neste sentido, há uma oração conhecida, que contém muita sabedoria: “Meu Deus, dai-me força para mudar as coisas que posso mudar, paciência para tolerar aquelas que não posso mudar e sabedoria para distinguir entre os dois tipos de situação”. Se seguirmos esse princípio, poderemos melhorar muito nossa qualidade de vida. Se você acha que não consegue seguir esses princípios sozinho(a), procure a ajuda de um profissional. Um psicólogo ou profissional de área afim poderá ajudá-lo a pôr em prática certas medidas que vão diminuir sua ansiedade.

Referências bibliográficas

BECK, A. T.; WARD, C. H.; MENDELSON, M.; MOCK, J. & ERBAUGH, J. An inventory for measuring depression. Archives of General Psychiatry, 5611-571, 1961.
EPSTEIN, S. The nature of anxiety with emphasis upon its relationship to expectancy. In C.D.
SPIELBERGER (Org.). Anxiety: Current Trends in Theory and Research. Vol. II. New York and London: Academic Press.
FREUD, S. Collected papers. Vol. 1. London: Hogarth Press, 1934.
CARLSON, Richard. Não faça tempestade em copo d’água. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
SKINNER, B. F. Verbal Behavior. New York: Appleton-Century Crofts, 1957.
SPIELBERGER, C. D. Anxiety as an emotional State. In C.D. Spielberger (Org.) Anxiety: Current Trends in Theory and Research. New York and London: Academic Press, pp. 24-47, 1972.

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