sexta-feira, 26 de abril de 2013

Por que as pessoas mentem?


Embora a mentira em sí não seja uma patologia, ela pode estar associada a transtornos graves de comportamento que devem ser tratados.

Por: SwellyFrança

 Muitos especialistas afirmam que é impossível passar um dia inteiro sem mentir e que todas as pessoas mentem. De acordo com alguns estudos, mentimos pelo menos duas vezes a cada dez minutos de con­versação; 25% das vezes em que falamos.

O mestre em Psicologia e aluno especial do Programa de Doutorado em Ciências da Reabilitação com ênfase em Neuropsicologia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade São Paulo (HRAC-USP), Rui Mateus Joaquim, explica que até é possível que alguém passe o dia todo sem mentir, contudo, o contrário - não passar se­quer um dia sem mentir - é algo extremamen­te comum. "Não necessariamente inventamos algo, porém, omitimos fatos ou, às vezes, nega­mos com a boca sentimentos que experimen­tamos durante uma conversa." Ele alerta, no entanto, que mentimos com as palavras, mas nosso corpo e microexpressões faciais deixam escapar sinais emocionais contraditórios da­quilo que elaboramos no discurso. 

Mas, por que as pessoas mentem?  Para o psiquiatra, integrante da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), William Dunningham, as mentiras fazem parte do desenvolvimento e da aprendizagem infantil como subterfúgio para a fuga de castigos, a obtenção de recom­pensas, o reforço de sua independência ante os pais e a criação de um mundo interior. Em outro estágio, a mentira passa a ser uma es­tratégia natural da comunicação humana, um recurso social, às vezes justificável, dependendo dos danos que uma verdade pode causar.  "Os adultos também fazem uma leitura parti­cular do mundo alterando a realidade, às ve­zes. recorrendo a mentiras para obter. manter ou evitar alguma coisa”. 
O especialista em Neuropsicologia,  Rui Mateus, concorda: "mentimos para esconder ou para conseguir algo. Muitos organismos se utilizam de táticas de dissimulação com­portamental em suas atividades predatórias ou de defesa. Penso que a origem da men­tira esteja intimamente associada à evolução e surgimento do neocórtex humano (região do cérebro mais recentemente evoluída) e sua extraordinária capacidade de abstração e re­presentação simbólica. Manipular elementos abstratos. concatenar lógicas sobre os eventos da vida. ser sensível à suas consequências e planejar estratégias verbais de ação para minimizar possíveis danos requer um sofisticado nível de processamento da informação; re­quer um cérebro humano. A mentira. às vezes. ocorre por uma necessidade de ser educado. Aprendemos a mentir educadamente, por exemplo. quando ganhamos um presente que odiamos e respondemos “Que lindo. adorei. muito obrigado ", esclarece Rui Mateus.

 QUANDO O ATO DE MENTIR PODE SER UM PROBLEMA

 A mitomania é a tendência compulsiva para mentir. “Comumente, as mentiras dos mitomaníacos estão  relacionadas a assuntos específicos, no entanto, podem ser ampliadas e atingir outras questões em casos considerados mais graves. Por exemplo, um adolescente  cujo pai o maltrata pode inventar para os colegas que a sua relação com o pai é boa e divertida. Contando sobre passeios e conversas amistosas que nunca existiram. Justamente pelos mitômanos não possuírem consciência plena daquilo que  comunicam por meio da palavra, costumam iludir os outros em histórias de fins únicos e práticos com o intuito de suprirem aquilo que falta em suas vidas", elucida o psiquiatra, William Dunningham.

 Atualmente, a Psiquiatria e a Psicologia não reconhecem mais a mentira como um transtorno em si. Porém, este comportamento associado a outros sintomas ajuda a identifi­car transtornos mentais importantes. Do pon­to de vista da Psicopatologia, alguns tipos de transtornos psiquiátricos fazem do comporta­mento de mentir um ato compulsivo.
"Neste sentido, a mitomania pode ser considerada uma síndrome mental grave, que ocorre mais frequentemente em transtornos de personalidade (antissocial, histriônica, bor­derline, etc], nas dissociações histéricas graves, em retardo mental leve e em quadros maníacos do transtorno bipolar, sendo necessário que os indivíduos recebam a devida atenção por parte dos amigos e familiares", reforça William. 

O psicólogo Rui Mateus Joaquim fala sobre alguns destes transtornos:

Transtorno de Personalidade Limítrofe (TPL), também muito conhecido como Transtorno de Personalidade Borderline (TPB): É definido çomo um grave transtorno de personalidade caracterizado por desregulação emocional, raciocínio extremista e relações caóticas. “Vão de um extremo ao outro muito rápido. Em um dia são os meIhores amigos; no outro os piores inimigos. O transtorno é mais comum em adolescentes. Por que mentem?  Buscam ocultar as consequências dos atos de sua identidade instável"; 

Transtorno de Personalidade Antissocial: É caracterizado pelo compor­tamento impulsivo do indivíduo afetado, desprezo por normas sociais e indiferença aos direitos e sentimentos dos outros. "Não sentem remorso, não internalizam regras sociais ou legais e não zelam pela própria segurança e a dos outros. Por que mentem? Assim sentem prazer, tiram vantagem pes­soal e também fogem de obrigações:

Transtorno de Personalidade Histrionica: Distingue-se por um padrão de emocionaIidade excessiva e necessidade de chamar atenção para si mesmo. ‘Precisam estar sempre nos centro das atenções. Para isso, usam artimanhas sedutoras. Quando rejeitados, partem para o drama. Por que mentem? Isso atrai a atenção dos outros em relatos dramáticos (e inventados)’;

Transtorno da Personalidade Narcisista: Se estabelece por um padrão invasivo de gran­diosidade, necessidade de admiração e falta de empatia. "Acham que são superiores e usam todos os meios para parecerem os maiorais. Por que mentem? Aumentando suas realizações, os narcisistas garantem a fama, a glória e a admi­ração que eles acreditam merecer."

 O psicólogo volta a afirmar que mentir é uma defesa psicológica, um mecanismo adap­tativo adquirido pela espécie em sua história evolutiva e, por isso, não há um tratamento para a mentira. Contudo, quando a mentira aparece como elemento importante em vários tipos de transtornos de personalidade esses, sim, devem ser tratados.
 De acordo com o psiquiatra William Dunningham, o tratamento do indivíduo consiste na implementação de cuidados que associam o tratamento psiquiátrico do trans­torno mental subjacente a um acompanha­mento psicoterapêutico, que vise à expansão da consciência, o fortalecimento do self (o eu, o si mesmo), e o aumento da autoestima. "Dentre os diversos tipos de Psicoterapia, a Psicoterapia Centrada na Pessoa, criada por Carl Ranson Rogers (1902/1987) e a Tera­pia Cognitivo-comportamental costumam ter efeitos mais consistentes e duradouros. É importante nunca negar à pessoa o acesso à Psicoterapia, sendo este a chave para a remis­são, até mais importante que o tratamento psiquiátrico stricto sensu", considera William.

 Rui Mateus acrescenta que os transtor­nos de personalidade citados anteriormen­te por ele apresentam diferentes motivos para o comportamento de mentir, confor­me as características próprias do transtorno. "Entretanto, há algo em comum entre eles; todos os motivos devem produzir, na maioria das vezes, consequências positivas para quem mente. Ocultando as consequências desas­trosas, o indivíduo afasta as consequências negativas, como a pena que seria imposta, a inimizade de alguém etc., e, às vezes, atrai coisas boas como a atenção das pessoas, ad­miração etc. Sob a ótica da análise do com­portamento, mentir é extremamente reforça­dor. O Behaviorismo Radical de Skinner (B. F. Skinner, um dos maiores psicólogos do século XX), demonstrou que a frequência e a manu­tenção do comportamento dos organismos dependem das consequências e dos efeitos produzidos por este comportamento." 

Mentirinha de criança 

Mentir é, na maioria das vezes, uma fonte de reforço admirável. Segundo o psi­cólogo, Rui Mateus, há estudos que relacio­nam competência social das crianças com habilidade em mentir. "Crianças começam a distinguir entre uma emoção real e uma emoção aparente durante a fase pré-esco­lar (3-4 anos), embora façam isso de manei­ra rudimentar, visto que crianças nesta ida­de ainda têm dificuldades de verbalizar seu entendimento sobre o porquê percebem uma emoção como real ou não. Por volta dos seis anos, elas são capazes de relatar quando e porque precisam mentir e já co­meçam a compreender como esse compor­tamento pode afetar as pessoas. 
Entre dez e 11 anos, as crianças se tornam mais capazes de controlar suas expressões faciais e outros fatores envolvidos na interação social: Embora o psiquiatra William consi­dere que entre os três e os sete anos seja normal que a criança misture realidade com fantasia, as mentirinhas proposi­tais que surgem para livrar a criança do que ela não quer fazer ou a ajudam a fugir de uma responsabilidade, devem ser combatidas com firmeza, calma e amor. "Não se deve castigar ou chamar uma criança de mentirosa, mas é preci­so que os pais conversem com ela para descobrir porque a verdade foi camufla­da e qual a origem da mentira."

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