Embora uma definição verdadeira da ansiedade que cubra todos os
seus aspectos seja muito difícil de ser alcançada (apesar das
muitas publicações referentes ao assunto), todos conhecem este
sentimento. Não há uma só pessoa que nunca tenha experimentado
algum grau de ansiedade, seja por estar entrando em uma sala de aula,
justo antes de uma prova, ou por acordar no meio da noite certo de
que ouviu algum ruído estranho do lado de fora da casa. Contudo, o
que é menos conhecido é que sensações, tais como fortes
tonteiras, visão borrada ou desfocada, formigamentos ou dormências,
músculos duros e quase paralisados e sentimentos de falta de ar que
podem levar até a sensações de engasgar ou sufocar, podem também
fazer parte da reação de ansiedade. Quando estas sensações
ocorrem e as pessoas não entendem o por quê, a ansiedade pode
aumentar até níveis de pânico já que elas imaginam que podem
estar tendo alguma doença.
Ansiedade,
é a reação ao perigo ou à ameaça. Cientificamente, ansiedades
imediatas ou de curto período são definidas como reações de
luta-e-fuga. São assim denominadas porque todos os seus efeitos
estão diretamente voltados para lutar ou fugir de um perigo. Assim,
o objetivo número um da ansiedade é o de proteger o organismo.
Quando nossos ancestrais viviam em cavernas, era-lhes vital uma
reação automática para que, quando estivessem defrontados com um
perigo, fossem capazes de uma ação imediata (atacar ou fugir). Mas
mesmo nos dias agitados de hoje, este é um mecanismo necessário.
Imagine que você está atravessando a rua quando de repente um
carro, a toda velocidade, vem em sua direção, buzinando
freneticamente. Se você não experimentasse, absolutamente, nenhuma
ansiedade, você seria morto. Contudo, mais provavelmente, sua reação
de luta-e-fuga tomaria conta de você e você correria para sair do
caminho dele, para ficar em segurança. A moral desta estória é
simples a função da ansiedade
é proteger o organismo, não prejudicá-lo. Seria totalmente
ridículo da parte da natureza desenvolver um mecanismo cuja função
primordial fosse a de proteger o organismo e, por assim fazer, o
prejudicar.
A
melhor forma de pensar sobre todos os sistemas de resposta de
luta-e-fuga (ansiedade) é lembrar que todos estão voltados para
deixar o organismo preparado para uma ação imediata e que seu
objetivo primordial é protegê-lo.
Quando
alguma forma de perigo é percebida ou antecipada, o cérebro envia
mensagens a uma secção de nervos chamados de sistema nervoso
autônomo. Este sistema possui duas subsecções ou ramos: o sistema
nervoso simpático e o sistema nervoso parassimpático. São
exatamente estas duas subsecções que estão diretamente
relacionadas no controle dos níveis de energia do corpo e de sua
preparação para a ação. Colocado de uma forma mais simples, o
sistema nervoso simpático é o sistema da reação de luta-e-fuga,
que libera energia e coloca o corpo pronto para ação; enquanto que
o parassimpático é o sistema de restauração, que traz o corpo a
seu estado normal.
Um
aspecto importante é que o sistema nervoso simpático tende muito a
ser um sistema “tudo-ou-nada”. Isto é, quando ativado, todas as
suas partes vão reagir. Em outras palavras: ou todos os sintomas são
experimentados ou nenhum deles o são. É raro que ocorra mudanças
em apenas uma parte do corpo. Isto talvez explique o fato de ataques
de pânico envolverem tantos sintomas e não apenas um ou dois.
Um
dos efeitos principais do sistema nervoso simpático é a liberação
de duas substâncias químicas no organismo: adrenalina e
noradrenalina, fabricadas pelas glândulas supra-renais. Estas
substâncias, por sua vez, são usadas como mensageiras pelo sistema
nervoso simpático para continuar a atividade de modo que, uma vez
que estas atividades comecem, elas freqüentemente continuam e
aumentam durante um certo período de tempo. Contudo, é muito
importante observar que a atividade no sistema nervoso simpático é
interrompida de duas formas. Primeiramente, as substâncias que
serviam como mensageiras — adrenalina e noradrenalina
são de alguma forma destruídas por outras substâncias do corpo.
Segundo, o sistema nervoso parassimpático
que geralmente tem efeitos opostos ao sistema nervoso simpático
fica ativado e restaura uma sensação de relaxamento. É importante
perceber que, em algum momento, o corpo cansará da reação de
luta-ou-fuga e ele próprio ativará o sistema nervoso parassimpático
para restaurar um estado de relaxamento. Em outras palavras, a
ansiedade não pode continuar sempre aumentando e entrar numa
espiral sempre crescente que conduza a níveis possivelmente
prejudiciais. O sistema nervoso parassimpático é um protetor
“embutido” que impede o sistema nervoso simpático de se
desgovernar. Outra observação importante é que as substâncias
mensageiras, adrenalina e noradrenalina, levam algum tempo para serem
destruídas. Assim, mesmo depois que o perigo tenha passado e que seu
sistema nervoso simpático já tenha parado de reagir, você ainda se
sentirá alerta e apreensivo por algum tempo, porque as substâncias
ainda estão “flutuando” em seu sistema. Você deve sempre
lembrar-se que isto é absolutamente natural e sem perigo. Aliás,
isto é uma função adaptativa porque, num ambiente selvagem, o
perigo geralmente tem o hábito de atacar de novo, e é útil ao
organismo estar preparado para ativar o mais rápido possível a
reação de luta-e-fuga.
A
atividade no sistema nervoso simpático produz uma aceleração do
batimento cardíaco, como também um aumento na sua força. Isto é
vital para a preparação da luta-ou-fuga, já que ajuda a tornar
mais veloz o fluxo de sangue e assim melhora a distribuição de
oxigênio nos tecidos e a remoção de produtos inúteis nos mesmos.
É devido a isso que experimentamos um batimento cardíaco acelerado
ou muito forte, típicos de períodos de alta ansiedade ou pânico.
Além da aceleração do batimento cardíaco, há também uma mudança
no fluxo do sangue. Basicamente, o sangue é redirecionado, sendo
“reduzido” em algumas partes do corpo onde ele não é tão
essencial naquele momento (através do estreitamento dos vasos
sangüíneos) e é direcionado às partes onde é mais essencial
(através da expansão dos vasos sangüíneos). Por exemplo, o fluxo
de sangue é reduzido na pele, nos dedos das mãos e dos pés. Este
mecanismo é útil para que, se a pessoa for atacada ou ferida de
alguma forma, este mesmo mecanismo impedirá que a pessoa morra por
hemorragia. Por isso, durante a ansiedade, a pele fica pálida e
sentimos frio em nossas mãos e pés, e até mesmo algumas vezes,
podemos sentir dormências ou formigamentos. Por outro lado, o sangue
é direcionado aos músculos grandes, como os das coxas ou os bíceps,
o que ajuda o corpo em sua preparação para ação.
A
reação de luta-e-fuga está associada também com o crescimento da
velocidade e profundidade da respiração. Isto tem uma importância
óbvia para a defesa do organismo, já que os tecidos precisam de
mais oxigênio para estarem preparados para a ação. As sensações
provocadas por este aumento na função respiratória podem, contudo,
incluir sensações de falta de ar, de engasgar ou sufocar, e até
mesmo dores e pressões no peito. Também importante é o efeito
colateral decorrente do crescimento na função respiratória,
especialmente se nenhuma atividade real ocorra, que é a de haver uma
redução real do fluxo de sangue para a cabeça. Por ser uma
quantidade insignificante, não chega a ser perigoso para a saúde,
mas produz uma série de sintomas desagradáveis (mas sem prejuízo
algum) e que podem incluir tonteiras, visão borrada, confusão, fuga
da realidade e sensações de frio e calor fortes.
A
ativação da reação de luta-e-fuga produz um aumento na
transpiração. Isto tem funções adaptativas importantes, como por
exemplo, tornar a pele mais escorregadia para que, dessa forma, fique
mais difícil para um predador agarrar um corpo e também para
resfriá-lo de modo a evitar um superaquecimento.
A
ativação do sistema nervoso simpático produz uma série de outros
efeitos, nenhum dos quais sendo de modo algum prejudiciais ao corpo.
Por exemplo, as pupilas se dilatam para permitir a entrada de mais
luminosidade, o que pode resultar em uma visão borrada, manchas na
frente dos olhos e assim por diante. Ocorre também uma redução na
produção de saliva, resultando em uma boca seca. Há uma redução
na atividade do sistema digestivo, o que geralmente produz náuseas,
uma sensação de peso no estômago e também constipação ou
diarréia. Por fim, diversos grupos de músculos se tencionam
preparando-se para a reação de luta-e-fuga e isso resulta em
sintomas de tensão, muitas vezes estendendo-se a dores reais como
também a tremores.
Acima
de tudo, a reação de luta-e-fuga resulta em uma ativação geral do
metabolismo corporal. Por isso uma pessoa pode sentir sensações de
calor e frio e, porque este processo utiliza muita energia, depois a
pessoa se sente geralmente cansada e esgotada.
Como
já mencionado antes, a reação de luta-e-fuga, prepara o corpo para
a ação seja atacar ou fugir.
Por isso, não é surpreendente que os impulsos avassaladores
associados com esta reação sejam os de agressão e de desejo de
fugir. Quando estes não são capazes de serem realizados (devidos à
coação social), os estímulos serão freqüentemente expressos por
comportamentos como bater os pés, marcar passos ou insultar pessoas.
Isto é, os sentimentos produzidos são como os de quem está preso e
está precisando fugir.
O
efeito número um da reação de luta-e-fuga é alertar o organismo
para a possível existência do perigo. Portanto, há uma mudança
automática e imediata na atenção para pesquisar o ambiente em
busca de ameaças em potencial. Por isso, passa a ser muito difícil
concentrar-se em tarefas diárias, quando alguém está ansioso.
Pessoas ansiosas freqüentemente se queixam de ficarem facilmente
distraídas durante tarefas do dia-a-dia; de não conseguirem se
concentrar e de terem problemas de memória. Às vezes uma ameaça
óbvia não pode ser encontrada. Infelizmente, a maioria das pessoas
não aceita o fato de não encontrar uma explicação para alguma
coisa. Portanto, em muitos casos, quando as pessoas não conseguem
explicar seus sentimentos, elas tendem a procurar em si próprias. Em
outras palavras, “se nada exterior está me deixando ansioso, então
deve haver algo de errado comigo mesmo”. Neste caso, o cérebro
inventa uma explicação como “eu devo estar morrendo, perdendo
controle ou ficando louco”. Como já vimos, nada poderia ser menos
verdadeiro, já que a função primordial da reação de luta-e-fuga
é a de proteger o organismo, e não de prejudicá-lo. Por isso
mesmo, são pensamentos compreensíveis.
Até
agora, nós observamos as reações e os componentes da ansiedade em
geral ou da reação de luta-e-fuga. Contudo, você pode estar se
perguntando como tudo isto se aplica à ataques de pânico. Afinal,
por que a reação de luta-e-fuga é ativada durante um ataque de
pânico, já que não há, aparentemente, nada a temer?
De
acordo com uma grande quantidade de pesquisas, parece que pessoas que
experimentam ataques de pânico têm medo (é o que causa o pânico)
das próprias sensações da reação de luta-e-fuga. Assim, ataques
de pânico podem ser vistos como uma série de sintomas físicos
inesperados e uma reação de pânico ou de medo desses sintomas. A
segunda parte deste modelo é fácil de ser compreendida. Como já
visto antes, a reação de luta-e-fuga (onde os sintomas físicos têm
um papel importante) levam ao cérebro a procurar perigos. Quando o
cérebro não consegue encontrar nenhum perigo óbvio, ele passa a
procurar no interior da pessoa e inventa um perigo, como: “estou
morrendo, estou perdendo o controle, etc.”. Como as interpretações
dos sintomas físicos são assustadoras, é compreensível o
aparecimento do medo e do pânico. Por sua vez, estes dois
sentimentos produzem mais sintomas físicos, e por isso se introduz
um ciclo de sintomas, medo, sintomas, medo e assim por diante. A
primeira parte do modelo é mais difícil de ser compreendida: por
que você experimenta os sintomas físicos da reação de luta-e-fuga
se você não está com medo? Existem muitas formas para que estes
sintomas sejam produzidos, não apenas através do medo. Por exemplo,
você está estressado e isto resulta em um aumento da produção de
adrenalina e outras substâncias que, de tempo em tempo, produzem
estes sintomas. Este aumento na produção de adrenalina pode ser
quimicamente mantido no organismo, mesmo depois do desaparecimento
do fator que gerava este estresse. Outra possibilidade, é que você
tende a respirar um pouco mais rápido (hiperventilação sutil)
devido a um hábito já aprendido, e isto também pode produzir estes
sintomas. Como a hiper-respiração é menos intensa, você pode se
acostumar com esta forma de respiração, e não reparar que você
está hiperventilando. Uma terceira possibilidade é que você esteja
experimentando mudanças naturais em seu corpo (o que todos
experimentam, mas nem todos as percebem) e, justamente por estar
constantemente verificando e monitorando seu corpo, você passa a
reparar muito mais nestas sensações do que outras pessoas. Além
das duas outras razões já descritas que produzem sintomas físicos
(estresse e hiper-respiração), você também poderá se tornar
consciente destes sintomas físicos, como resultado de um processo
denominado condicionamento interoceptivo. Como os sintomas físicos
ficaram associados com o trauma do pânico, eles se tornaram sinais
significativos de perigos e ameaças a você (isto é, eles se
tornaram estímulos condicionados). Como resultado, é muito provável
que você se torne altamente sensível a estes sintomas e reaja com
receio, simplesmente devido a experiências passadas de pânico com
as quais elas foram associadas. Como conseqüência deste tipo de
associação condicionada, é possível que sintomas produzidos por
atividades regulares sejam também levadas ao ponto de uma crise de
pânico.
Mesmo
que não estejamos certos do fato do por que alguém experimenta os
sintomas iniciais, assegure-se de que eles são uma parte da reação
de luta-e-fuga e por isso inofensivos a qualquer pessoa.
Obviamente
então, uma vez acreditando convictamente (100%) que estas sensações
físicas não são perigosas, o medo e o pânico desaparecerão e
você não mais experimentará ataques de pânico. É claro que,
quando diversos ataques já tenham sido experimentados por você, e
que você tenha interpretado erroneamente estes sintomas muitas
vezes, esta interpretação errada torna-se bastante automática, e
assim passa a ser muito difícil de, conscientemente, convencer-se de
que estes sintomas são inofensivos.
Resumindo,
a ansiedade é cientificamente conhecida como a reação de
luta-e-fuga, sendo sua função primordial a de ativar o organismo e
de protegê-lo do perigo. Associadas a esta reação, estão uma
série de mudanças mentais, físicas e comportamentais. É
importante notar que, uma vez que o perigo tenha desaparecido, muitas
dessas mudanças (especialmente as físicas) continuarão,
praticamente com controle autônomo sobre si próprias, devido ao
aprendizado e a outras mudanças corporais de longo prazo. Quando os
sintomas físicos surgem na ausência de uma explicação óbvia, as
pessoas costumam interpretar erradamente os sintomas de luta-e-fuga
como indicativos de sérios problemas mentais ou físicos. Neste
caso, as próprias sensações podem se tornar ameaçadoras e,
justamente por isso, podem desencadear uma nova reação de
luta-e-fuga. Muitas pessoas, quando experimentam os sintomas da
reação de luta-e-fuga, acreditam estar ficando loucas. Elas
costumam mais freqüentemente relacionar tais sintomas com uma doença
mental grave, conhecida como esquizofrenia. Observemos um pouco a
esquizofrenia para compararmos o quão freqüente isto ocorre.
Esquizofrenia
é um transtorno grave caracterizado por fortes sintomas como por
exemplo, fala e pensamento deslocados, algumas vezes levando a
balbucios, delírios ou crenças estranhas (p. ex., que mensagens
estão sendo recebidas desde o espaço) e alucinações (ouvir vozes
falarem dentro da própria cabeça). Também, a esquizofrenia parece
ser em grande parte um transtorno com base genética, ocorrendo
fortemente em famílias.
A
esquizofrenia geralmente se inicia de forma gradual e não de repente
(como em um ataque de pânico). Também, justamente porque ocorre em
famílias, apenas uma certa proporção de pessoas tende a tornar-se
esquizofrênica, e ainda, em outras pessoas, nenhuma quantidade de
estresse causaria como conseqüência o transtorno em questão. Um
terceiro ponto também muito importante, é que pessoas com
esquizofrenia exibem alguns dos sintomas leves do transtorno por
grande parte de suas vidas (p.ex., pensamentos estranhos e fala
florida). Desta forma, se essas características não tiverem sido
ainda percebidas em sua personalidade, a maior probabilidade é de
você não se tornar esquizofrênico. Esta chance diminui mais ainda
se você já tem mais de 25 anos, já que a esquizofrenia surge
geralmente no final da adolescência até os 20 anos. Finalmente, se
você já passou por entrevistas com um psicólogo ou psiquiatra,
você pode estar certo de que eles saberiam imediatamente
diagnosticá-lo como esquizofrênico.
Algumas
pessoas acreditam que vão “perder o controle” quando entrarem em
pânico. Presumivelmente, elas acham que vão se paralisar
completamente e ficarão incapazes de se mover, ou que não vão
saber o que estão fazendo e por isso vão sair disparados matando
pessoas, ou gritando obscenidades e se envergonhando diante de
outros. Por outro lado, podem não saber o que possa acontecer, mas
podem também experimentar um sentimento dominante de “catástrofe
iminente”.
Considerando
nossas discussões anteriores, podemos agora saber de onde surge este
sentimento. Durante uma crise de ansiedade o corpo está preparado
para ação e neste momento há um enorme desejo de fuga. Contudo, a
reação de luta-e-fuga não está preparada e treinada a prejudicar
terceiros (que não sejam uma ameaça) e não produzirá paralisia.
Ao invés disso, toda a reação é direcionada a afastar o
organismo. Além disso, nunca houve nenhum caso registrado de alguém
que tenha se descontrolado a tal ponto. Mesmo que a reação de
luta-e-fuga o faça se sentir um pouco confuso, irreal e distraído,
você ainda é capaz de pensar e funcionar normalmente. Simplesmente
pense sobre quão freqüentemente as outras pessoas nem notam que
você está tendo um ataque de pânico.
Muitas
pessoas têm receio do que lhes pode acontecer como conseqüência a
seus sintomas, talvez devido a alguma crença de que seus nervos
podem se esgotar e elas possam talvez entrar em colapso. Como já
discutido anteriormente, a reação de luta-e-fuga é produzida
dominantemente por atividade no sistema nervoso simpático, que é
combatida pelo sistema nervoso parassimpático. O sistema
parassimpático é, de certa forma, uma salvaguarda contra a
possibilidade do sistema simpático “danificar-se”. Os nervos não
são como fios elétricos e a ansiedade não é capaz de
danificá-los, prejudicá-los ou desgastá-los. E a pior coisa que
poderia acontecer durante um ataque de pânico seria que a pessoa
poderia desmaiar, sendo que, se isso acontecesse, o sistema nervoso
simpático interromperia sua atividade e a pessoa recuperaria seus
sentidos em poucos segundos. Contudo, desmaiar em conseqüência da
reação de luta-e-fuga é extremamente raro, mas se isso acontecer,
é um modo adaptativo de impedir que o sistema nervoso simpático
fique fora de controle.
Muitas
pessoas interpretam erradamente os sintomas da reação de
luta-ou-fuga e acreditam que elas estejam morrendo de um ataque
cardíaco. Isto é porque talvez muitas pessoas não tenham um
conhecimento suficiente sobre ataques cardíacos. Vamos rever os
fatos sobre a doença coronariana e ver como isso difere de ataques
de pânico.
Os
sintomas principais de ataques cardíacos são falta de ar e dores no
peito, como também, ocasionalmente, palpitações e desmaio. Os
sintomas de ataques cardíacos estão geralmente relacionados
diretamente com esforço. Isto é, com quanto mais esforço você se
exercitar, piores serão os sintomas; e quanto menos você se
esforçar, melhores. Os sintomas desaparecerão de forma
relativamente rápida com descanso. Isto é muito diferente dos
sintomas associados com ataques de pânico, que freqüentemente
ocorrem durante um estado de repouso e parecem ter vida própria.
Certamente, ataques de pânico podem ocorrer durante exercícios ou
podem inclusive piorar com exercícios, mas são diferentes de
ataques cardíacos, pois podem se produzir também freqüentemente
durante repouso. Mais importante ainda é notar que um ataque
cardíaco irá quase sempre produzir mudanças elétricas no coração
que podem ser detectadas em eletrocardiogramas (ECG). Em ataques de
pânico, a única mudança que é detectada por um ECG é um pequeno
aumento no ritmo cardíaco. Por isso, se você já passou por um
eletrocardiograma e o doutor lhe disse que tudo está bem, esteja
certo de que você não sofre de nenhum problema no coração.
Também, se seus sintomas ocorrem a qualquer momento e não apenas
após algum esforço físico, isto é uma evidência adicional contra
a possibilidade de um ataque cardíaco.
A
Fisiologia da Hiperventilação
O corpo precisa de oxigênio para sobreviver. Quando uma pessoa
inspira, o oxigênio é levado para os pulmões onde é apanhado pela
hemoglobina (a substância química “colada-ao-oxigênio” no
sangue). A hemoglobina leva o oxigênio pelo corpo onde é liberada
para ser usada pelas células. As células usam o oxigênio em suas
reações de energia, produzindo conseqüentemente um subproduto de
dióxido de carbono (CO2) que é por sua vez devolvido ao
sangue, transportado novamente aos pulmões e finalmente expirado.
Um
controle eficiente das reações de energia do corpo, depende da
manutenção de um equilíbrio específico entre oxigênio e CO2.
Este equilíbrio pode ser mantido principalmente através do ritmo e
da profundidade da respiração. Obviamente, respirar “demais”
terá um efeito de aumentar os níveis de oxigênio (apenas no
sangue) e de reduzir os níveis de CO2; enquanto que
respirar “de menos” terá o efeito contrário, ou seja, reduzir a
quantidade de oxigênio no sangue e aumentar a quantidade de CO2.
A taxa apropriada de respiração durante um repouso deve ser de
10-14 respirações por minuto.
A
hiperventilação é definida como um ritmo e uma profundidade de
respiração exagerada para as necessidades do corpo em um momento
específico. Naturalmente, se a necessidade de oxigênio e a produção
de CO2 aumentarem (como durante um exercício físico), a
respiração deveria aumentar correspondentemente. Alternadamente, se
a necessidade de oxigênio e a produção de CO2 ficarem
ambas reduzidas (como durante um período de relaxamento), a
respiração deve respectivamente reduzir-se também.
Enquanto
que a maioria dos mecanismos corporais são controlados por meios
químicos e físicos “automáticos” (e respirar não é uma
exceção), a respiração tem uma propriedade adicional que é a de
ser capaz de ser submetida a um controle voluntário. Por exemplo, é
muito fácil para nós prender a respiração (nadando debaixo
d’água) ou aumentar o ritmo da respiração (soprando um balão).
Uma série de fatores “não-automáticos” como as emoções, o
estresse ou o hábito, pode causar um aumento no ritmo de nossa
respiração. Estes fatores podem ser especialmente importantes para
pessoas que sofrem de ataques de pânico, causando uma tendência a
respirar “demais”.
Também
interessante, é que enquanto a maioria de nós considera que o
oxigênio é o fator determinante em nossa respiração, o corpo, na
realidade, utiliza o CO2 como seu “marcador” para uma
respiração apropriada. O efeito mais importante da hiperventilação
então, é realizar uma queda na produção de CO2. Isto,
por sua vez, leva a uma redução do conteúdo ácido do sangue, o
que conduz ao que é conhecido como sangue alcalino. São estes dois
efeitos uma redução de CO2
no sangue e um aumento da alcalinidade do sangue - que são os
responsáveis pela maioria das mudanças físicas que ocorrem durante
a hiperventilação.
Uma
das mudanças mais importantes que ocorre durante a hiperventilação
é a constrição ou o estreitamento de certos vasos sangüíneos do
corpo. Particularmente, o sangue enviado ao cérebro é de certa
forma reduzido. Aliado a este estreitamento dos vasos, a hemoglobina
aumenta sua “pegajosidade” com o oxigênio. Por isso, não apenas
o sangue alcança menos áreas do corpo, como o oxigênio carregado
pelo sangue também é menos liberado para os tecidos.
Paradoxalmente, então, enquanto que uma respiração aumentada
significa mais oxigênio está sendo levado para dentro do organismo,
menos oxigênio alcança certas áreas de nosso cérebro e do corpo.
Este efeito resulta em duas categorias de sintomas: (1) centralmente,
alguns sintomas são produzidos pela ligeira redução de oxigênio à
certas partes do cérebro (que incluem tonteira, sensação de vazio
na cabeça, confusão, falta de ar, visão borrada, e desrealização);
(2) perifericamente, outros sintomas são produzidos pela ligeira
redução de oxigênio à certas partes do corpo (que incluem um
aumento no batimento cardíaco para bombear mais sangue pelo corpo;
dormências e formigamentos nas extremidades; mãos frias e suadas e
algumas vezes enrijecimento muscular). É muito importante lembrar
que as reduções de oxigênio são ligeiras e totalmente sem perigo.
Também é muito importante observar que hiperventilar (possivelmente
através da redução de oxigênio a certas partes do cérebro) pode
produzir uma sensação de falta de ar, estendendo-se algumas vezes a
sensações de engasgar ou sufocar, de modo que possa parecer como se
a pessoa de fato não estivesse conseguindo ar suficiente.
A
hiperventilação é também responsável por uma série de efeitos
generalizados. Em primeiro lugar, o ato de hiper-respirar é um
trabalho físico “pesado”. Portanto, o indivíduo pode sentir-se
freqüentemente encalorado e suado. Segundo, justamente pelo esforço
de hiper-respirar, períodos prolongados de hiper-respiração
resultarão quase sempre em sensações de cansaço e exaustão. Em
terceiro, pessoas que hiper-respiram geralmente tendem respirar pelos
pulmões, ao invés de respirar pelo diafragma. Isto significa que os
músculos do peito tendem a se tornar cansados e tensos. Assim, elas
tendem a experimentar sintomas de pressão e até de dores severas no
peito. Finalmente, muitas pessoas que hiper-respiram, costumam manter
um hábito de constantemente suspirarem ou bocejarem. Estes cacoetes
são na realidade, formas de hiperventilação, já que sempre que
alguém suspira ou boceja, elas estão “jogando” uma grande
quantidade de CO2 no organismo de maneira bem rápida. Por
isso, quando tratando deste problema, é importante perceber hábitos
diários como suspirar ou bocejar e assim tentar suprimi-los.
Um
ponto importante a se notar sobre a hiperventilação é que ela não
é fácil de ser percebida por um observador. Em muitos casos, a
hiper-ventilação pode ser muito sutil. Isto é especialmente
verdadeiro se o indivíduo esteve hiper-respirando por um longo
período. Neste caso, pode haver uma redução acentuada de CO2,
mas devido à compensação no corpo, há pouca mudança na
alcalinidade. Assim, nenhum sintoma será produzido. Contudo, devido
às baixas taxas de CO2, o corpo perde sua capacidade de
lidar com as mudanças de CO2 de modo que até uma pequena
alteração na respiração (como um bocejo, por exemplo) pode ser
suficiente para disparar os sintomas. Isto pode estar relacionado com
a natureza repentina de muitos ataques de pânico, por exemplo,
durante o sono, e isso é uma razão de por que muitos dos que sofrem
deste problema costumam relatar que “não me sinto como se
estivesse hiperventilando”.
Provavelmente o ponto mais importante a se fazer sobre a
hiperventilação seja mostrar que ela não é perigosa. A
hiperventilação é uma parte integral da reação de luta-e-fuga e
por isso sua função é a de proteger o corpo do perigo, e não ser
perigosa. As mudanças associadas com a hiperventilação são
aquelas que preparam o corpo para ação de modo a escapar de um
perigo em potencial. Assim, é uma reação automática do cérebro
para imediatamente esperar o perigo e, claro, para o indivíduo
sentir a premência de escapar. Conseqüentemente, é perfeitamente
compreensível, que o sofredor acredite que o problema é interno. De
qualquer forma, as coisas não acontecem assim. É importante lembrar
que longe de ser prejudicial, a hiperventilação é parte de uma
resposta natural, biológica voltada para proteger o corpo de
qualquer prejuízo.
(Traduzido
de Craske e Barlow (1994) por Bernard Rangé)